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Será que o problema sou eu?

Será que o problema sou eu?

Neste último ano tenho me questionado muito sobre o real alcance das práticas terapêuticas na qualidade de vida de uma pessoa.

Não que as terapias não possuam um potencial de cura interior e mudança comportamental, ou que não possam ajudar o indivíduo a viver com mais equilíbrio. Ao longo de quase duas décadas, com alguns períodos de interrupção, como paciente de psicoterapia e de outras práticas complementares e de 6 anos atuando como terapeuta, sei o quanto todas essas técnicas podem ser benéficas.

Elas nos auxiliam a saber quem somos, o que desejamos, quais concessões estamos dispostos a fazer, quais não, descobrimos a maneira como nos relacionamos conosco mesmos, como o outro, com a vida…

No caso das terapias naturais e práticas energéticas recebemos ainda uma dose de cuidado e carinho da Natureza, nos nutrindo, ensinando e estimulando o organismo a retornar a sua programação de origem: saúde, alegria e bem-estar.

Mas em um mundo extremamente desigual, com problemas sociais cada vez mais agravados, com indivíduos inundados diariamente por estresse, quanto tempo dura o benefício de uma sessão terapêutica?

Ou pior, o que faço com as descobertas sobre mim em uma estrutura social que se apresenta cada vez mais estanque? Em que meritocracia e criação da própria realidade não são mais do que mitos alimentados pelo sistema para nos fazer continuar a produzir e retroalimentá-lo? Em que liberdade de escolha possui tantas condicionantes externas que sufocam parte considerável do que seria de fato escolher?

O que fazer com uma pessoa com baixa-autoestima que começa a melhorar esse aspecto dentro de si, a reconhecer o próprio valor, mas que, no convívio social sofre traumas constantes relacionados a racismo, misoginia, homofobia ou própria pobreza, minando o potencial recém descoberto?

Esses dias assisti a um curso sobre o pensamento de Frantz Fanon – psiquiatra e filósofo da Martinica, autor de “Pele Negra, máscaras brancas”- e concordei muito com a proposta que ele defendia de que a psicanálise deveria começar no divã e terminar na rua, na mobilização coletiva por mudança social, igualdade e liberdade.

Porque, de fato, uma transformação em nossa subjetividade depende de uma mudança radical das estruturas da sociedade em que vivemos. Depende da substituição do paradigma da dominação pelo da colaboração, da disputa por poder pela liberdade de cada um ocupar o seu lugar dentro do sistema sem subjugar o outro.

Tenho observado nos últimos tempos a diferença na velocidade de melhora do bem-estar entre as pessoas que atendo.

Aquelas que possuem uma situação socioeconômica favorável, acesso a lazer e tempo livre, apoio nas tarefas domésticas, carreira profissional bem desenvolvida, resolvem suas questões internas muito mais rapidamente. Isso porque a ansiedade ou outro desequilíbrio que se apresente é algo pontual, ou seja, foto que com pequenos ajustes na rotina de sono, alimentação, atividade física, uso de recursos naturais e conscientização de crenças e padrões antes inconscientes se dissolve.

Já as pessoas em situação socioeconômica desfavorável, sem acesso a lazer, com pouquíssimo tempo livre devido à sobrecarga de trabalho, muitas vezes precarizado, exercendo dupla jornada (algumas cuidando sozinhas de filhos e de todos os afazeres domésticos), têm progressos lentos ou imperceptíveis.

É que neste segundo grupo a pessoa está estruturalmente desequilibrada, ou seja, inserida em um contexto doentio e não apenas sofrendo um estresse pontual. Muitas vezes é inviável diante de suas condições financeiras alimentar-se de maneira benéfica, consumir os recursos terapêuticos necessários, dormir o período adequado para o reestabelecimento físico e mental e assim por diante.

Nestes casos, conscientizar-se de crenças e padrões mentais é insuficiente. Perceber traumas da infância e saber que a rejeição, abandono e humilhação, entre outras feridas, se repetem até hoje, mudando apenas os personagens, alivia pouca coisa do mal estar sentido. No máximo modifica sua visão sobre si e sobre o mundo.

Às vezes, torna-as mais céticas ou cínicas.

Porque, aqui, o problema não está somente no indivíduo, muitas vezes, nem é ele ou sua relação familiar a causa do sofrimento. É algo muito mais complexo, muito maior e que o engole.

Minha reflexão não é para desencorajar ninguém a fazer terapia, mas para dizer que talvez ela não seja o suficiente. É para ajustar suas expectativas, entendendo o que esperar desta prática e o que buscar em outros campos. É incitar, de alguma maneira, uma faísca por união, cooperação e luta coletiva por mudança social.

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